Segundo Paulo Solmucci, presidente da Abrasel, o setor de restaurantes em regiões de escritórios despencou. “Algumas empresas estão sofrendo com o trabalho híbrido, e há grande dificuldade com inflação, em repassar os preços”, diz.
A reabertura da economia recobrou parte do ritmo pré-crise de covid-19, mas a recuperação vem se dando de forma incompleta. A nova realidade imposta pelo trabalho híbrido vem afetando o setor de bares e restaurantes, transporte, limpeza e segurança. A tendência é que ritmo acelere, mas não retorne ao que era antes da pandemia, afirmam especialistas.
Enquanto bares e restaurantes veem recuperação parcial das perdas na pandemia, o setor de limpeza viu queda na demanda de contratação de pessoal e a área de segurança teve transformações aceleradas pelo choque sanitário.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) compilados pela consultoria Plano CDE mostram que hoje são 400 mil pessoas a menos do que antes da pandemia trabalhando em bares e restaurantes do país: 5,34 milhões no fim de 2022 ante 5,75 milhões em 2019.
O número de estabelecimentos formais do setor no Brasil caiu drasticamente em 2020 e ainda não se recuperou, segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) - de 102.906 em 2019 passou para 98.035 em 2020 e para 96.005 em 2021.
Segundo Breno Barlach, diretor de pesquisa e inovação da Plano CDE, a queda foi generalizada, mas atingiu com mais força serviços e comércio. “Há menos pessoas na rua. O público não voltou para o trabalho presencial, e isso levou a uma pressão muito grande sobre estabelecimentos de alimentação. Restaurantes a quilo, por exemplo, operam com margem operacional pequena, então precisam de volume grande de pessoas”, afirma.
A vida noturna também foi impactada. “Aquele happy hour das 17h às 20h praticamente não existe mais. E muitos escritórios nem abrem às sextas-feiras”, diz. “É uma mudança de comportamento que atingiu o mercado de serviços mais fortemente, e à qual bares e restaurantes ainda estão se adaptando.”
Com menos movimento nas ruas e menos clientes, argumenta Barlach, há menos garçons, menos atendentes e menos cozinheiros em restaurantes, como indicam os dados da Pnad. “Muita gente perdeu emprego e o setor não recuperou o tamanho que tinha antes”, comenta.
Ele argumenta que a nova realidade aumentou a desigualdade entre ricos e pobres. Enquanto o topo da pirâmide manteve renda e emprego com o esquema híbrido e a chance de economizar comendo mais em casa - e gastando menos com transporte -, o público mais pobre que trabalhava nos restaurantes, por exemplo, ficou mais vulnerável e perdeu emprego. “Os trabalhadores e proprietários desses lugares acabaram sofrendo consequências de mudança de hábito da pirâmide [socioeconômica]”, diz.
Segundo Paulo Solmucci, presidente da Abrasel, apesar de restaurantes terem tido em 2022 crescimento real de 8%, ante 2019, a adoção do regime híbrido por parte das empresas trouxe consequências para um conjunto de restaurantes em regiões onde há grandes empresas, como Alphaville, avenida Paulista e Vila Olímpia, na capital paulista, e o centro da capital carioca. Esses estabelecimentos encolheram entre 8% e 10%, entre 2019 e 2022.
Isso acontece porque a maior parte das grandes empresas adotou um modelo de dois dias de trabalho remoto, direcionados principalmente para a segunda-feira e para a sexta-feira, e três dias de trabalho presencial.
Ele afirma, contudo, que com a queda de movimento nas regiões onde estão as grandes empresas, o faturamento dos restaurantes em áreas residenciais aumentou, já que muitas pessoas passaram a comer perto de casa. Somado a isso, houve maior demanda estimulada no setor em relação aos estabelecimentos menores, provocada, principalmente, por programas de transferência de renda.
O setor de restaurantes em regiões de escritórios despencou, diz Solmucci. “Algumas empresas estão sofrendo com o trabalho híbrido, e há grande dificuldade com inflação, em repassar os preços”, diz. “O dia mais forte da semana era sexta-feira. Era o dia da indulgência, com almoço mais caro e happy hour. Esse dia caiu para metade do que era antes. Foi de estrela da semana para patinho feio. Em regiões com muitas empresas, a situação é de terra arrasada.”
Pesquisa divulgada semana passada pela Abrasel mostra que 66% dos estabelecimentos tinham empréstimos bancários em janeiro. Dentre os que tomaram crédito no Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), a inadimplência chegava a 13%, acima da média de 5,2% do programa. A pesquisa, que ouviu 1.477 empresas, mostra que bares e restaurantes estão comprometendo em média 10,3% de seu faturamento para pagar dívidas.
Fonte: Valor