Projetos como open health (planos de saúde), Open Delivery (serviços de entrega de comida) e open streaming (filmes e séries), por exemplo, surgem na esteira do sistema de compartilhamento de dados de clientes regulamentado pelo Banco Central (BC).
A implementação do open banking no Brasil abriu caminho para que o modelo fosse adotado em outras áreas, inclusive em segmentos não financeiros. Projetos como open health (planos de saúde), open delivery (serviços de entrega de comida) e open streaming (filmes e séries), por exemplo, surgem na esteira do sistema de compartilhamento de dados de clientes regulamentado pelo Banco Central (BC).
Os novos negócios baseados na abertura total de dados entram no conceito de “open everything”, que, segundo especialistas, é tendência para os próximos anos. Para o chefe do departamento de regulação do BC, João André Calvino, esse é um caminho natural, que ocorreria mesmo sem a atuação da autoridade monetária, mas que pode ter sido acelerado depois do lançamento do open finance - versão ampliada do open banking, que foi regulado em maio de 2020 e teve implementação iniciada em fevereiro do ano passado.
“É o futuro, é inevitável. Desde o início, imaginávamos que essa era uma tendência, inclusive para outros setores. Inclusive já estava acontecendo, com plataformas que comparam sites de reservas de hotéis, por exemplo. É o mesmo conceito, só que no sistema financeiro as coisas são mais fechadas, porque tratamos de dados bancários, que são muito sensíveis, protegidos por lei”, ressaltou.
Calvino conta que representantes de projetos “open” em outros setores procuraram a autoridade monetária para entender detalhes do sistema e formas de padronização. “Muitos vêm perguntar e muitos querem entrar. Participei de reuniões sobre o open health, por exemplo. Dá para falar que o open banking foi precursor sim, mas seria muito leviano dizer que todo esse movimento não existiria [sem a atuação do BC]. O que a gente fez foi fazer isso dentro de um sistema [o financeiro] que é muito rigoroso ”, avalia.
O técnico do Banco Central imagina que, no futuro, o mundo ingresse em uma espécie de “open data”, que vai além do open everything, em que todo e qualquer dado pode ser compartilhado, integrando serviços e setores diferentes.
“Já começamos a criar interoperabilidade entre plataformas. A gente começa a fazer isso com o open banking, que se junta com o open insurance [seguros] e outros produtos e temos o open finance. Esse é um caminho. Pode ser que o open health um dia entre também nessa história e os dados vão ser uma coisa só, o cliente vê uma coisa só de três plataformas integradas”, detalha Calvino.
“Outro modelo é que as coisas vão acontecendo meio que ‘vou integrando informações naquela plataforma que já está construída’, acho que é o caso de pagamentos. Pagamento envolve todos os setores. Dentro do pagamento há uma gama de informações gigante. As coisas começam a se integrar não só por meio de plataformas, mas também por meio de parcerias”, complementou.
O open finance permite o compartilhamento de dados de clientes entre instituições financeiras sob expressa autorização. Dessa forma, o consumidor pode utilizar suas informações para conseguir empréstimos e outros produtos financeiros em condições melhores. Ao optar por mudar de banco, por exemplo, uma pessoa pode levar todo seu histórico de relacionamento para a nova instituição.
Dentro do modelo do open finance, as informações de clientes são transmitidas por meio de APIs, que são conjuntos de protocolos padronizados que conectam um sistema com outro. Esse formato permite ainda que as empresas ofereçam produtos personalizados, de acordo com o perfil de cada consumidor.
“Somos donos dos nossos dados e o open banking veio para mostrar que não só o setor financeiro precisa disso, mas todos os outros setores também. Este foi um grande motivador para nos movimentarmos para este mundo novo, tanto é que o próprio Banco Central, durante o processo, alterou o nome de open banking para open finance, e em outros países já chamam, por exemplo, de ‘consumer data right’ [direito de dados do consumidor]”, destaca Leandro Pupe, líder de operações da Belvo, empresa de infraestrutura para open finance.
Pupe ressalta que o maior desafio do modelo é conseguir padronizar a transmissão das informações. “Quando padronizamos alguma comunicação, criamos uma língua para a gente se comunicar com outra pessoa, isso faz com que sejam retirados os tradutores do meio do caminho. A maior barreira é achar essa comunicação única [especificação de dados] e evoluir a cultura digital das empresas para a criação de novos modelos de negócio”, diz o especialista.
Open Delivery promete revolucionar mercado de entrega de comida
O Open Delivery surgiu por meio de iniciativa da Abrasel para padronizar informações dos estabelecimentos, como cardápio e recebimento de pedidos, e facilitar a conexão com aplicativos e entregadores. Em comparação ao open banking, o restaurante seria o cliente e poderia ter acesso a várias plataformas de delivery com mais facilidade, já que os protocolos foram padronizados.
Apesar da semelhança no nome, Célio Salles, do conselho de administração da Abrasel, conta que o projeto desenhado para os restaurantes se inspirou no Pix, sistema de pagamentos instantâneos. “O Pix desconcentrou o mercado de pagamentos e os pequenos ficaram mais competitivos, a ideia é essa. O primeiro desafio foi criar de forma conjunta, em ambientes abertos, esses padrões”, lembra. Ele conta que participou de duas reuniões com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, uma para aconselhamento e outra para agradecer pela colaboração.
Salles explica que há diferenças entre plataformas de delivery e o restaurante precisa acessar sites e estruturas distintas e desorganizadas. Isso desincentiva que o estabelecimento faça parceria com um aplicativo menos conhecido, por exemplo. “O open permite que todos esses processos sejam padronizados, em um único ambiente. Sem esforço adicional, o restaurante pode operar em mais plataformas”, diz.
Na prática, segundo o idealizador do projeto, a ação é invisível ao consumidor final, que vai ter um serviço melhor, mas não vai perceber que está usando o open delivery. Carlos Netto, CEO da Matera, empresa que também participou do processo de criação, ressalta que o Pix foi “open” por ser aberto à sociedade. “Não é só API aberta. Não é só padrão aberto. O desenho disso tem que ser aberto, feito pela sociedade, em colaboração. O BC, no Pix, deu uma aula de co-criação. Essa governança serviu de inspiração para o modelo do Open Delivery”, diz.
Fonte: Valor